Jacira Jacinto da Silva1
Se é certo que o socialismo nasce e se desenvolve no seio do capitalismo, como uma consequência necessária de seu sistema de produção e distribuição da riqueza social, com ele não guarda qualquer semelhança. Mesmo herdando o fruto de seus esforços e a enorme riqueza acumulada no curso de muitos séculos, com o apoio de outras civilizações, sua organização econômica e política, sua justiça e sua moral igualitárias diferem fundamentalmente das do regime capitalista.
Manuel Porteiro
Manuel Porteiro, revela no texto acima a natureza essencialmente política do espiritismo.
Há muita gente defendendo o oposto, ou seja, que Espiritismo não se mistura com Política. Embora respeitando as posições contrárias, não é possível dissociar o Espiritismo da Política, pois há uma associação intrínseca da vida em sociedade com a Política. Pois bem, dedicando-se o espiritismo a discutir profundamente a existência humana, não há razoabilidade na crença de que não pode enfrentar questões políticas.
As mulheres, muitas vezes alijadas das discussões substanciais que regem a vida em sociedade, são as pessoas mais abalizadas para falar de política; afinal, elas sabem muito bem quando os destinos de um povo ameaçam sair do eixo.
Talvez possamos afirmar que a vida “normal”, ou razoável, é a que gira em torno de pressupostos firmes, ainda que resvale às vezes para algum distanciamento. A mulher, em regra, é a condutora desse prumo; é quem percebe até instintivamente se os membros da família seguem o curso natural da vida, ou se oferecem alguma preocupação. E tudo isso está permeado de política.
Desde quando se pensa no início da trajetória escolar das crianças, se há, ou não, algum aparato estatal para introduzi-las na sociabilidade educativa, até a possibilidade de os filhos cursarem uma universidade, a questão é política. Se a alimentação é farta na residência, disponível o suficiente, ou se alguns membros precisam se apoiar em programas de alimentação na escola ou no trabalho; se existe previsão de atendimento médico na eventual enfermidade de algum familiar, ou se a indisponibilidade desse serviço passa a tensionar a vida, é uma questão política.
O respeito às mulheres, se podem exercer livremente o papel feminino sem qualquer discriminação ou preconceito, no lar, no trabalho, na universidade, na política, na instituição social etc., é questão pautada pela política. O acesso à Justiça, a possibilidade de trabalho regular e equivalentemente respeitado, o direito ao lazer, à escolha da forma como se apresenta, dos lugares que frequenta etc., são objeto de decisões políticas.
As leis dão ou não garantias de direitos às mulheres conforme decisões políticas. Pode ser que membros da família sejam afetados por problemas respiratórios derivados de decisões políticas equivocadas, seja na proteção do meio ambiente, na fiscalização da emissão de poluentes, na implementação de mecanismos de proteção etc.
Com efeito, tudo em nossa vida gira em torno da política. Desse modo, dizer que o Espiritismo não pode se misturar com a política, significa dizer que essa Filosofia importantíssima e repleta de subsídios necessários para o bom aproveitamento da existência, deve ser apenas contemplativa e voltada ao além quando os problemas reais estão aqui e agora.
Por essa razão, convido as mulheres corajosas, espíritas ou não, a unir forças e adotar posturas políticas que enfrentem as desigualdades sociais; defendam o direto dos trabalhadores ao descanso e à remuneração justa; sustentem a proteção das pessoas frágeis, idosas ou enfermas, exijam a garantia ao respeito do direito alheio, sem qualquer tipo de perseguição a quem quer que seja, especialmente àqueles que compõem o denominado grupo de minorias. Tenhamos a coragem de exigir Justiça; não passemos ao largo da política; defendamos o direito universal à educação, à moradia e a todos os direitos fundamentais para todos.
Lembremos de que todas essas propostas estão contempladas em O Livro dos Espíritos.
As eleições estão chegando no Brasil, sendo, portanto, hora de refletir seriamente sobre o poder do voto. O povo pode mudar o destino da nação sempre que esteja insatisfeito, basta estudar os candidatos, suas vidas, o que fazem e o que fizeram. Lembremo-nos da importância de escolher bem nossos representantes no Parlamento; são eles que fazem as leis, são eles que fiscalizam os atos do chefe do Poder Executivo (ou pelo menos deveriam fazê-lo).
A propósito, mais uma vez se mostra muito válido lembrar Manuel Porteiro:
Se a estrutura econômica e política da sociedade, o meio social, a educação etc. exercem influência sobre os seres que sobrevivem no desenvolvimento histórico, estes, por sua vez, com sua influência pessoal e também coletiva, transformam constantemente, ou de súbito, a estrutura econômica e política da sociedade, o meio e a educação e dirigem o determinismo histórico até fins cada vez mais elevados e mais justos.2
A polarização existente no mundo atual entre esquerda e direita não pode nos imobilizar ou impedir que exerçamos o nosso direito. É fato que na situação atual, famílias, grupos de amigos, seguidores de determinada filosofia ou religião, desentendem-se, separam-se, abrem fissuras de difícil reparação, cada qual na defesa ensandecida do seu “lado” ideológico, mas é uma fase, faz parte do aprendizado e vai passar.
Cabe-nos a difícil missão de evitar radicalismos, manter o discernimento e a potência racional, porém também não podemos renunciar a qualquer direito fundamental, como liberdade, igualdade e justiça social. Embora todas as opiniões e expressões de pensamento devam ser respeitadas, transigir com o desrespeito aos direitos básicos e elementares não combina com a força da mulher.
Para onde a filosofia espírita nos encaminha?
Se é certo que o radicalismo não contribui, independentemente da orientação ideológica, também parece correto afirmar que nos mantermos alheias e indiferentes não faz sentido diante de uma Filosofia propulsora da ação. O Espiritismo sugere mudança, esforço, trabalho. Temos certo que a existência tem o propósito da evolução, nossa e do nosso mundo, mas isso não se faz no comodismo ou na alienação.
Arrisco-me a dizer que não é possível ser espírita e neutro, nós temos lado e precisamos assumi-lo. Nosso lado está atrelado aos movimentos de progresso, de respeito, de busca constante de renovação e melhorias, mas acima de tudo o nosso lado propõe a fraternidade e o amor. É o que encontramos na terceira parte de O Livro dos Espíritos.
Nossa pauta está lastreada na defesa intransigente dos direitos humanos. Ao votar, pensemos nisso.
Advogada, espírita, membro do CPDOc, conselheira do CEEJHP - Centro de Estudos Espíritas José Herculano Pires, atual presidente da CEPA - Associação Espírita Internacional, membro do MOVMMESP.
PORTEIRO, Manuel. Espiritismo Dialético. Trad. José Rodrigues, São Paulo: CEJB, 2002
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