Dia desses tive um lampejo imaginativo sobre as circunstancias da gravidez, gestação e parto de Maria. Na maior festa da cristandade, quase nunca pensamos que o natal é o nascimento de um menino. Quero seguir, nesse breve texto, as pistas deixadas pelos narradores dos evangelhos, da anunciação ao nascimento, refletindo nesses fatos, a marca do feminino, prestando atenção em Maria, sua condição de mulher, suas escolhas e o seu gesto primordial, responsável pela vinda do Cristo ao mundo.
Não tenho pretensões teológicas ou cientifica, faço aqui uma reflexão sentimental sobre a mulher que aceitou ser a mãe de Jesus, numa sociedade patriarcal, há mais de dois mil anos atrás.
De acordo com as escrituras, Maria viveu no vilarejo de Nazaré, localizada entre as montanhas da baixa galileia. Sua história começa no dia em que teve uma visão de um mensageiro celestial, que disse que ela seria mãe do messias prometido. Como teria um filho, se ainda estava prometida em casamento e não teve nenhum contato sexual com o seu noivo? Ela faz essa pergunta ao anjo. Sabemos que uma gravidez sem sexo só é possível numa narrativa sagrada, assim como nos mitos antigos, em que um semideus nasce de uma virgem.
Tomo aqui a humanidade de Maria, que aceitou a proposta do anjo e engravidou fora do casamento, o que interessa é o seu sim, com coragem e determinação, mesmo correndo risco de morte. Essa condenação, já quase em desuso nos dias atuais, atormentou muitas mulheres que teria que guardar sua virgindade para um único homem. Jesus é filho de Maria de pai desconhecido.
Na segunda parte da narrativa, Maria viaja para encontrar sua prima Isabel, uma mulher madura que se encontrava grávida de seis meses, cujo marido sofreu de uma mudez súbita. Muito comum nos povos tradicionais a companhia de outra mulher para ajudar nos preparativos do parto, Maria, provavelmente, encontrou nesse pretexto a oportunidade para sair da cidade e buscar amparo em sua prima. Parte importante da sociabilidade feminina, a sororidade se traduz no ato de cuidar uma da outra, realizar uma aliança de cooperação e amor. Isabel foi a amiga capaz de realizar uma escuta sem julgamentos e discriminação. Narram as escrituras que as duas trocaram sensações e intuições, exercitaram sua fé nas profecias e criaram também um vínculo espiritual.
Depois de três meses, Maria voltou e contou ao seu noivo que estava grávida. De início, José não aceitou, perturbou-se, como a maioria dos homens do seu tempo e de hoje também, mas depois, influenciado por sonhos e visões, aceitou a paternidade socioafetiva. José comprovou ser a frente do seu tempo. Viveu o verdadeiro amor, fruto do laço construído pelo coração, superando as imposições dos vínculos de sangue, confirmando ser nas peregrinações das almas, em sucessivas reencarnações que os espíritos se encontram.
Maria e José se casaram. Tempos depois, para cumprir o recenseamento, decretado pelo imperador Cesar Augusto, Maria vai com o seu esposo para a cidade de Belém. Foi lá que ela, em estágio avançado de gravidez, entra em trabalho de parto. Havia muita gente viajando nesse período e sem lugar para se hospedar, a mãe de Jesus encontrou refúgio numa estrebaria. “O pobrezinho que nasceu em Belém”, veio ao mundo sob o olhar vigilante dos bichos. Nada se sabe sobre o parto de Maria, mas é possível deduzir que ela teve ajuda de José.
No dia do nascimento de Jesus, contam que uma estrela brilhou no céu, iluminando todo o lugar. Foi seguindo a estrela e o mapa astrológico que os magos encontram onde nasceria o verdadeiro Rei. Um espirito superior, o iluminado, simbolizado pelo sol, nasceu sem ter uma casa. Foram os magos que alertaram Maria e José sobre os planos de Herodes, o governador genocida, que intencionava matar o menino. A família sai refugiada em direção ao Egito.
A vida de Jesus foi marcada por perseguições, desde o nascimento até a sua morte na cruz. Sua mãe enfrentou muito sofrimento com coragem de mãe. A mesma coragem das Mães da Praça de Maio, das Mães da Periferia, das Mães da Resistência e tantas outras. Termino aqui essa história lembrando que a santidade de Maria não advém de sua castidade inventadas pela religião, mas por sua capacidade de amar seus filhos e sua força feminina. Obrigada, Santa Maria, por ter aceitado a proposta do anjo, obrigada, José, por ter aceitado o menino, que veio ao mundo trazer a boa nova.
Lidia Valesca Pimentel
Cientista Social, doutora em Sociologia,
Membro do Movimento de Mulheres Espirita, Membro do Coletivo Girassóis, Membro da Ong Mães da Resistencia.
Parabéns Lídia, pelo texto de muita sensibilidade. A história oficial também não destaca a grandeza e santidade de Maria após a partida de Jesus. Alguns defendem que Maria se tornou uma das maiores lideranças do cristianismo nascente.
Lídia sempre com olhar amoroso, uma didática de vê e repassar o que sente de maneira suave.
Parabéns Lidia, pelo belo sensível texto!!!
Muito interessante trazer Maria ao cotidiano feminino real, com suas angústias e aflições. Isso aumenta ainda mais o valor de sua existência e acolhida das mensagens, por conceber a essência do bem em seu coração.
Maria, um exemplo de luta, dignidade e fidelidade á sua missão,
Muito lindo! Parabéns Lídia 🥰👏👏